Caged: o que os números do emprego dizem sobre o primeiro ano da economia sob Bolsonaro

Depois de passar pela maior crise de sua história recente, o mercado de trabalho deu sinais mais claros de que está se recuperando e fechou 2019 com saldo positivo de 644.079 postos com carteira assinada.

O emprego é o último pilar da economia a se recuperar dos ciclos de recessão. Primeiro, as empresas se desfazem de eventuais estoques acumulados, esperam para confirmar se o aumento de demanda de fato se sustenta no médio prazo para, aí sim, reforçarem o quadro de pessoal.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados nesta sexta-feira (24/01) pelo Ministério da Economia, mostram não apenas que este momento chegou.

Leia, a seguir, 4 fatos que os dados de emprego revelam sobre a economia no primeiro ano do governo Bolsonaro.

Modalidades ‘flexíveis’ se consolidam no mercado formal

Dois tipos de contrato criados pela reforma trabalhista, em 2017, ganharam fôlego no ano passado.

O trabalho intermitente e o parcial responderam por cerca de 106 mil das 644 mil vagas com carteira criadas no período, cerca de 16,5% do total — percentual ligeiramente superior ao registrado em 2018, 15,6%.

O contrato parcial, com jornada reduzida, já existia, mas foi flexibilizado com a reforma.

O intermitente é aquele em que a empresa registra em carteira o funcionário, mas sem estabelecer salário ou jornada fixa. O trabalhador pode ser convocado por alguns dias ou mesmo horas no mês, a depender da demanda por parte do contratante.

Ele foi um dos pontos mais polêmicos da reforma e é frequentemente apontado por críticos como uma “formalização do bico”. Os que o defendem afirmam que ele tem servido muitas vezes de porta de entrada para o contrato em tempo integral.

Desde que foi instituída, a modalidade é questionada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal. O argumento é de que ela violaria princípios constitucionais como o da dignidade humana e do valor social do trabalho.

O tema está na pauta do dia 14 de maio do Supremo.

Para o economista Thiago Xavier, da Tendências Consultoria, a participação mais expressiva de contratos mais flexíveis no emprego formal pode ser um reflexo da recuperação lenta da economia, mas também pode sinalizar uma mudança estrutural do mercado de trabalho.

“Nesses últimos anos, o mercado sofreu influência da reforma trabalhista, do surgimento de novas formas de trabalho, além das questões conjunturais. É difícil dizer hoje o que é o quê”, pondera.

O longo caminho da indústria

Os serviços foram o setor que mais gerou emprego com carteira no Brasil em 2019. Com saldo positivo de 382,5 mil postos, respondeu por 59% do total de vagas.

Em termos relativos, o estoque de emprego avançou 2,2% no período, perdendo apenas para a construção, que incrementou o estoque de emprego em 3,6%.

A indústria, por outro lado, teve o pior desempenho. O setor, que já chegou a responder por mais de 20% do emprego com carteira em anos como 2004, 2006 e 2010, contribuiu com 2,8% dos postos em 2019, um saldo líquido de 18,3 mil — variação de 0,26% no estoque de emprego do setor.

O desempenho é reflexo da própria atividade industrial, que chegou a ensaiar uma recuperação na saída da crise, mas voltou a ter desempenho errático em 2019.

Entre janeiro e novembro, ela recuou 1,1% em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Industrial Mensal (PIM-PF).

A última divulgação da pesquisa do IBGE, que apontou uma queda de 1,7% na produção apenas em novembro (na comparação com o mesmo período de 2018), acendeu um “sinal amarelo”, na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

“Não restam dúvidas de que 2019 foi um ano recessivo para a indústria”, destacou a organização em sua mais recente análise.

Uma das razões para isso é o setor externo. Mesmo com o dólar acima do patamar de R$ 4, as exportações não decolaram em 2019. Pelo contrário: recuaram 6,4% em relação a 2018, para US$ 223,4 bilhões.

O desempenho se deve especialmente à crise na Argentina, principal destino dos produtos manufaturados brasileiros, e à desaceleração do comércio global no ano passado por conta da guerra comercial entre Estados Unidos e China.

No mercado interno, como destaca a MCM Consultores em relatório, a indústria conseguiu atender parte da demanda com seus estoques acumulados — o que também contribuiu para o desempenho frustrante da produção.

A surpresa positiva da construção

O setor mais abalado pela crise, por outro lado, voltou a contratar depois de 5 anos. Foram 71,1 mil postos com carteira assinada, 11% do total de vagas contabilizado em 2019.

Entre 2014 e 2017, o setor fechou cerca de um milhão de postos formais, um terço do saldo negativo do período: durante a crise, o Brasil fechou 3 milhões de empregos com carteira assinada.

Ao contrário de outros períodos recentes em que a construção estava contratando, entretanto, desta vez não há grandes obras de infraestrutura em andamento, dada, entre outros fatores, a restrição fiscal de Estados e da União.

A recuperação está sendo puxada pelo setor imobiliário, por lançamentos residenciais concentrados especialmente no Sudeste, afirma a economista Ana Maria Castelo, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV).

No primeiro semestre de 2019, as vendas de imóveis no país registraram alta de 12% em relação ao mesmo período de 2018 — e mais da metade das unidades estavam no Sudeste, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

Parte dessa alta se deve, para os especialistas, ao ciclo recente de queda nas taxas básicas de juros no país.

Tentando fugir da rentabilidade menor que uma Selic a 4,5% representa para os ativos de renda fixa, por exemplo, investidores voltaram a apostar no setor.

A própria queda dos juros barateia o custo do financiamento imobiliário e incentiva o consumo, acrescenta o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores.

“Esse é, afinal, um dos canais de transmissão da política monetária”, diz ele, referindo-se às decisões do Banco Central, no caso, de baixar os juros — que têm como reflexo um estímulo ao consumo e à atividade econômica.

Recuperação ainda mais lenta no Nordeste

Na análise por regiões, Centro-Oeste e Sul tiveram melhor desempenho — o estoque de emprego cresceu 2,3% e 2% em 2019, respectivamente.

O Nordeste, por sua vez, teve o pior desempenho, com alta de 1,2% no volume de empregados com carteira assinada — saldo líquido de 76,5 mil novos postos.

A região foi a que mais sentiu os efeitos negativos da recessão e, nesta lenta retomada da crise, segue com desempenho pior do que a média nacional.

No biênio 2015-2016, enquanto a economia encolheu 3,6% como um todo, no Nordeste o PIB recuou ainda mais, 4,3%.

Já em 2019, ano em que a atividade no país se recuperou e avançou 1,2%, na região cresceu apenas 0,3%, de acordo com as estimativas da Tendências Consultoria.

Se confirmada pelo IBGE, que divulga os dados de PIB regional com uma defasagem média de dois anos, a variação sinaliza que a retomada na região tem sido ainda mais lenta do que no restante do país.

E o crescimento da economia tem ligação direta com a geração de emprego com carteira assinada, destaca o economista Thiago Xavier.

Esse é um dado relevante especialmente em 2020, ano de eleições municipais. Para vários cientistas políticos, a situação da economia é um fator que tem forte influência sobre o voto — e o Nordeste é a região em que o presidente Bolsonaro teve pior desempenho nas eleições de 2018.

Fonte: BBC News Brasil
Texto: Camilla Veras Mota
Data original da publicação: 24/01/2020

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