Brasil precisa de empregos, não de armas

Almir Felitte

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 20/06/2018

O medo da violência, certamente, se tornou um dos maiores cabos eleitorais do Brasil. Esse medo, que já pauta o jornalismo brasileiro diariamente todos os anos, ganha uma força especial quando o país se aproxima das eleições. E é nesse momento que surgem os velhos “salvadores da pátria”, com suas velhas ideias que fracassam há décadas no país.

Normalmente, o discurso punitivista acaba preenchendo o espaço criado por esse medo e, como um vírus, vai se apoderando de todo o debate político-eleitoral, ofuscando outros temas importantes de cunho social e econômico. E os debates acabam se tornando um bangue-bangue de “xerifes” que disputam a posição de quem consegue prometer matar mais.

Esse ano, porém, apesar de termos um desses trogloditas ocupando as primeiras posições da disputa eleitoral, o cenário pode ser um pouco diferente. Isso porque, desde 2013, a conta da Crise Global de 2008[1], que colocou a ordem capitalista-liberal em xeque, chegou para ficar no Brasil.

Dentre tantos problemas sociais e econômicos que essa crise trouxe como consequência para o país, queria destacar, aqui, uma que pesa cruelmente na família de milhões de brasileiros e brasileiras: o desemprego.

E, apesar de toda a propaganda que Governo e mídia, numa dobradinha criminosa, tentam nos empurrar goela abaixo, a questão do desemprego, no país, está longe de ser resolvida. Segundo o IBGE, ao fim de abril, 13,4 milhões de trabalhadores brasileiros[2] estavam desempregados. O número representa uma alta de 5,7% em relação ao trimestre anterior e, na comparação com o mesmo período do ano passado, representou uma queda muito pequena de apenas 4,5%.

Essa pequena queda, aliás, na boca da mídia, virou motivo de comemorações extremamente forçadas que tentam nos fazer crer que as coisas estão melhorando. Porém, no mesmo período de 2016, a taxa de desemprego era de 11,2%, bem abaixo dos atuais 12,9%[3], muito distantes do índice histórico de 4,8% em 2014. Talvez por isso o brasileiro tenha a correta noção de que as coisas não estão melhorando, e sim, no máximo, estagnadas no fundo do poço.

Mas esse poço, é importante frisar, é muito mais fundo do que imaginávamos. Governos do mundo inteiro maquiam os números de desemprego tentando pintar um cenário melhor do que o real. No Brasil, não é diferente. Há um outro dado tão ou mais importante que o do desemprego, também contabilizado pelo IBGE, mas que não ganha muita atenção do Governo: a taxa de subutilização da força do trabalho.

Essa taxa inclui não só os desempregados, mas também as pessoas que gostariam de trabalhar mais e aquelas que, simplesmente, já desistiram de encontrar um emprego. E, segundo o IBGE, atualmente, temos mais de 27,7 milhões de brasileiros nessa situação[4], representando uma taxa de 24,7% de subutilizados, a maior desde que a série histórica se iniciou em 2012.

Sem dúvida nenhuma, esses números estão diretamente relacionados com a recessão e a agenda econômica imposta pelo Governo Temer após o Golpe. Vale lembrar que o PIB do país praticamente estagnou em 2014 e, nos dois anos seguintes, o país passou por uma grave recessão, contabilizando duas quedas de, respectivamente, 3,5%[5] e 3,6%[6].

Com o “PIBinho” de crescimento de 1,0% em 2017 e com as previsões nada boas para 2018, parece que o Brasil está longe de se recuperar do tombo que levou em 2015 e 2016. Pior ainda, está a anos-luz de recuperar o crescimento que deixou de ter desde 2013. Ao que tudo indica, economicamente, caminhamos para uma década perdida.

E, talvez, a navalha dessa década que mais corta na carne do brasileiro é justamente o desemprego, inversamente proporcional ao desacelero de nossa economia. Porém, como os próprios números mostram, as respostas do Governo para o problema não poderiam ser piores. Preso em uma agenda liberal que mais se preocupa em manter o lucro das elites (principalmente da elite rentista), o Governo simplesmente não soluciona os problemas dos trabalhadores do país.

Ao contrário, consegue agravar ainda mais a situação. A começar pela malfadada Reforma Trabalhista, que deve precarizar ainda mais a situação do trabalhador brasileiro, hoje, mais desvalorizado até mesmo que o chinês, usualmente tido como exemplo de precarizado.

Logo num primeiro momento, não faltaram notícias de grandes empresas que programaram demissões em massa para poderem recontratar trabalhadores já pela nova lei. Mas, não bastasse a precarização, a promessa de que a reforma criaria vagas de emprego no mercado parece longe de se concretizar.

Ainda que a imprensa tente noticiar o fato com alegria excessiva, as reduções nos índices de desemprego têm sido pífias, e, seguindo nesse ritmo, devemos demorar anos até que tenhamos, enfim, uma taxa próxima dos 5% anteriores à crise. Ou seja, são anos e anos de precarização na vida de milhões de trabalhadores que devem penar para encontrar um trabalho até que as coisas enfim melhorem (se melhorar). Além disso, a fragilidade de uma economia estagnada como a nossa deixa a impressão de que, a qualquer momento, um novo desastre ainda pior virá.

E que não se questione essa fragilidade. Apesar da grande mídia repercutir com otimismo a criação de pouco mais de 330 mil[7]vagas formais nos quatro primeiros meses de 2018, o mercado de trabalho formal ainda está abaixo do mesmo período no ano passado[8]. A situação é mais desesperadora ainda se considerarmos que esse mercado formal encolheu por três anos seguidos, perdendo 2,87 milhões de vagas entre 2015 e 2017[9].

Em contrapartida, enquanto o trabalho formal encolhia, os empregos informais cresciam. E esse ainda baixo crescimento da formalidade em 2018 mostra que a tendência, no Brasil, é a consolidação da precarização como sistema de trabalho no país.

Além disso, é importante ressaltar que mesmo as poucas vagas formais que têm sido criadas no país não estão livres de preocupação. Isso porque esse aumento de vagas só foi visto em empregos de baixa remuneração, de até 2 salários mínimos[10]. Acima disso, o mercado formal continua fechando vagas.

A situação pode ser agravada ainda mais se o trabalho intermitente e o de regime parcial, encorajados pela Reforma Trabalhista, começarem a ser oferecidos em maior quantidade. Nesse caso, a Reforma pode até acabar tendo um efeito inverso à criação de empregos se formos levar em conta o número de trabalhadores subutilizados, que poderia explodir. Hoje, apesar da Reforma, essas modalidades ainda são irrelevantes na criação de vagas.

Em suma, com relação à Reforma Trabalhista, o que se vê é que ela não parece estar animando o mercado no sentido de criar empregos e, ao mesmo tempo, parece estar precarizando os empregos que já existiam antes.

Porém, há um mercado que, independentemente de qualquer mudança nas leis trabalhistas, vem fugindo à regra e criando vagas até mesmo na crise. Trata-se do mercado das micro e pequenas empresas.

Segundo o Ministério do Trabalho, elas foram responsáveis por 84% das vagas de trabalho criadas no país neste último março[11]. Com tanto crescimento, segundo levantamento do Sebrae, as pequenas empresas já são responsáveis por empregar 70% dos 72 milhões de brasileiros que trabalham no setor privado[12]. Somando cerca de 50 milhões de pessoas, esse setor se divide ao meio entre trabalhadores (com ou sem carteira assinada) e pequenos empreendedores (que empregam ou que trabalham por conta própria).

Esse mesmo levantamento mostra, ainda, que micro e pequenas empresas são responsáveis por gerar 54% da massa salarial do país, além de representarem 27% do PIB nacional. São números que impressionam, ainda mais se levarmos em conta que tais empresas contam com bem menos incentivos estatais do que as grandes corporações que atuam no país.

Em 2016, por exemplo, pequenas, médias e microempresas receberam só cerca de 30% do total de investimentos públicos feito pelo BNDES. De cerca de R$ 70 bi investidos, quase R$ 50 bi foram para empresas de grande porte, tais como a OSX de Eike Batista (R$ 1,35 bi) ou a Brasil Foods (R$ 2,5)[13].

Não bastasse essas gigantes abocanharem a maior parte dos investimentos, são elas, também, que mais se beneficiam de isenções fiscais inexplicáveis. No Rio, por exemplo, entre 2007 e 2010, 50 grandes empresas deixaram de pagar R$ 25 bilhões em impostos por conta das renúncias fiscais do Estado. Ao mesmo tempo, outras 4 mil empresas menores representaram apenas R$ 12 bilhões em renúncias nesse mesmo período[14].

Ou seja, percebe-se que micro e pequenas empresas têm, de longe, o maior peso na geração de empregos do país e são responsáveis por mais de um quarto do PIB, conseguindo fazer isso mesmo recebendo uma fatia minúscula dos incentivos e investimentos públicos totais do país.

Porém, ao invés do Governo brasileiro fomentar esse setor para gerar empregos e reaquecer a economia, ele parece querer insistir na política de desonerações às grandes empresas brasileiras e multinacionais que atuam no país.

Um símbolo dessa escolha errada foi o Refis aprovado nesse ano que, por “erro de cálculo”, deve perdoar R$ 62 bilhões em dívidas tributárias de grandes empresas, o dobro do previsto[15]. Ocorre que as regras do Refis acabaram sendo “tão generosas”, que mais empresas do que o previsto resolveram aderir. Muitas delas, aliás, quitaram a dívida à vista, mostrando que sequer estavam passando por dificuldades que justificassem a “generosidade”.

Ironicamente (ou não), o Governo ameaçou, por meses, não aplicar a mesma regra ao Refis das pequenas empresas incluídas no Simples Nacional. Temer não queria repetir a generosidade ao setor dos pequenos, justo o que mais tem gerado empregos no setor privado do país.

Não que falte “generosidade” ao atual Governo. Aliás, resta dúvidas até se há falta de dinheiro, já que esse Governo previu, para o orçamento de 2018, abrir mão de R$ 283 bilhões em incentivos fiscais. Deste montante, apenas R$ 80 bilhões são voltados diretamente ao setor das micro e pequenas empresas, referindo-se às renúncias do Simples Nacional[16].

E nem só de setor privado, vale lembrar, vive o mercado de trabalho. Não houvesse tanta aversão ao funcionalismo público por parte da grande mídia, que vomita diariamente um insosso e emburrecedor discurso liberal, poderíamos todos estarmos discutindo a ampliação do setor público como forma de criação de vagas no mercado de trabalho. As renúncias bilionárias a setores privados que sequer criam empregos mostram que há dinheiro para isso.

Certamente nosso SUS e os milhões de brasileiros que são atendidos diariamente por ele agradeceriam por uma expansão desse sistema. As escolas abarrotadas de São Paulo não reclamariam de um aumento no número de salas de aula e de professores. As Defensorias Públicas, a quem o Estado impôs uma PEC de expansão sem oferecer os recursos necessários, certamente veriam com bons olhos novas contratações e a criação de novos cargos de assistência.

E nem se diga que o Brasil já tem muitos servidores públicos. Em 2013, apenas 12,11% do total de empregos do país se concentrava no setor público.Entre os países da OCDE, essa média era de 21,28%, com nações como Dinamarca (31,89%), Noruega (31,62%), Reino Unido (23,49%) e Canadá (20,43%)[17].

Porém, com todo o preconceito que se criou através da falácia de que o funcionalismo público é um setor recheado de supersalários e privilégios, fica difícil pautar o aumento de concursos públicos e a expansão da máquina estatal no país. E é claro que existem correções a serem feitas nos privilégios dessa pequena elite do funcionalismo, que existe mesmo. Mas é preciso ter em mente, também, que a maioria esmagadora dos servidores recebe salários bem distantes desses poucos privilegiados. Um professor não ganha nem perto do que recebe um juiz ou promotor, por exemplo.

Mas, para além do setor público, poderíamos, ainda, pensar em outra medida que certamente aqueceria o mercado de trabalho do país. De quebra, ainda poderia, enfim, levantar a economia brasileira e trazer uma mudança radical em toda a nossa matriz produtiva.

Há um sério déficit de infraestrutura no Brasil. Nas últimas 3 décadas, o país vem investindo apenas cerca de 2% do seu PIB no seu setor. Desse modo, andamos na contramão de nossos companheiros de BRICS (China, Rússia e Índia), que chegam a investir uma média de 3,4% do PIB só em seus setores de transportes[18].

Pegar esses bilhões que jogamos fora em desonerações e investimentos via bancos públicos para grandes empresas (lembrando que muitas delas sequer criam empregos) e usá-los para transformar o Brasil em um grande canteiro de obras de infraestrutura não parece ser uma má ideia. Não só poderíamos gerar empregos, como, também, poderia ser uma maneira de transformar toda a nossa matriz econômica.

Por fim, há ainda o sério problema de escassez de mão de obra qualificada no país, que cria a absurda situação de, mesmo em um cenário de crise de desemprego, haverem vagas ociosas de trabalho por falta de pessoas com condições de preenchê-las. A taxa de escassez de mão de obra qualificada, no Brasil, chega a 64%, quase o dobro da média mundial[19].

Algo que só pode ser resolvido com maior investimento em educação, ciência e tecnologia, o que é diametralmente oposto ao que o atual Governo vem fazendo com seus cortes em programas educacionais e científicos como o Pronatec e o Ciência Sem Fronteiras.

Como se vê, há muitas alternativas a serem pensadas para que o país recupere sua situação de pleno emprego. Porém, depois do Golpe de 2016, uma situação que já era ruim parece que vai conseguindo ficar ainda pior.

Temos, hoje, no país, um Governo que não tem mais a menor vergonha em escancarar que governa para uma pequena elite. Políticas de pleno emprego e o próprio desenvolvimento do país são sacrificados para mantermos a bilionária “Bolsa-Empresário”, representada por nossa política criminosa de desonerações, incentivos e investimentos públicos voltadas apenas aos grandes empresários do país.

Mas o povo brasileiro sabe onde o calo aperta e a questão do emprego, com certeza, deve pautar boa parte dos debates deste ano. Nesse momento, candidatos de uma nota só (até porque, se juntar duas notas, ele se atrapalha) que apostam tudo em um discurso violento e militarista vão ter de mostrar de que lado estão. E podem ter certeza que esse lado não será o do povo.

Notas:

[1]http://justificando.cartacapital.com.br/2017/11/16/por-que-proxima-decada-pode-ver-o-surgimento-de-uma-nova-ordem/
[2]https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2018/05/29/desemprego-abril-ibge.htm
[3]https://www.revistaforum.com.br/como-o-golpe-aumentou-o-desemprego-e-aprofundou-a-crise-economica/
[4]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/falta-trabalho-para-277-milhoes-de-pessoas-diz-ibge.shtml
[5]https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/17900-revisao-periodica-mostra-queda-de-3-5-do-pib-de-2015.html
[6]https://g1.globo.com/economia/noticia/pib-brasileiro-recua-36-em-2016-e-tem-pior-recessao-da-historia.ghtml
[7]https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/05/19/internas_economia,681791/336-8-mil-vagas-formais-de-emprego-criadas-no-inicio-de-2018.shtml
[8]https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2018/04/27/desemprego-pnad-ibge.htm
[9]https://www.cartacapital.com.br/economia/No-Brasil-trabalho-informal-e-a-nova-regra
[10]https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/brasil-so-cria-vagas-de-trabalho-de-ate-2-salarios.shtml
[11]http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-04/micro-empresas-sao-responsaveis-por-84-dos-empregos-gerados-em-marco
[12]http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/pequenos-negocios-abrigam-70-dos-ocupados-do-setor-privado,c8c0cb57c3b1e510VgnVCM1000004c00210aRCRD
[13]http://justificando.cartacapital.com.br/2017/09/13/com-ou-sem-lula-esquerda-deve-criar-projeto-economico-nacionalista-que-supere-lulismo/
[14]http://justificando.cartacapital.com.br/2018/04/19/agenda-liberal-afunda-brasil-como-uma-republica-acovardada/
[15]https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,refis-de-temer-vai-perdoar-r-62-bilhoes-o-dobro-do-previsto,70002208770
[16]https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-abre-mao-de-r-283-bi-em-incentivos-fiscais-no-orcamento-de-2018,70001998065
[17]http://justificando.cartacapital.com.br/2017/10/26/o-mantra-liberal-do-estado-minimo-nao-conhece-o-brasil/
[18]http://justificando.cartacapital.com.br/2018/04/19/agenda-liberal-afunda-brasil-como-uma-republica-acovardada/
[19]http://justificando.cartacapital.com.br/2018/04/19/agenda-liberal-afunda-brasil-como-uma-republica-acovardada/


Almir Felitte
é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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