As disputas trabalhistas na Argentina da pós-conversibilidade: uma análise à luz dos debates sobre a revitalização sindical

Lucila D’Urso

Fonte: Revista Ciências do Trabalho, São Paulo, n. 6, p. 21-36, jun. 2016.

Resumo: Nos últimos anos, os debates sobre a revitalização sindical adquiriram relevância nos estudos sindicais latino-americanos. Na Argentina, as discussões se concentraram na investigação sobre as características que assumem o fortalecimento das organizações sindicais em um contexto individualizado pela reativação do conflito laboral e o incremento de negociações coletivas. Foram ressaltados dois diferentes argumentos: de um lado, aqueles que enxergam um processo de recomeço do protagonismo político das cúpulas sindicais vinculadas ao Estado e ao partido oficialista, e, pelo outro, aqueles que consideram que paralelamente a esse processo começaram a ressurgir novas comissões internas e grupos de delegados sindicais nos locais de trabalho, perspectiva que também mencionam outros estudos que focalizam o denominado “sindicalismo das bases”. No marco desse debate, o presente texto analisa os conflitos laborais responsáveis pelas greves no setor privado argentino entre os anos 2006 e 2014, com o objetivo de avaliar o que representam os conflitos laborais na Argentina da pós-conversibilidade e qual é o seu significado como indicador de processos, tais como a revitalização sindical. Ao incluir a totalidade do setor privado, a pesquisa permite analisar a revitalização como tendência geral da dinâmica sindical argentina. Com relação à metodologia, foi utilizada a análise da base de dados e os relatórios elaborados pela Subsecretaria de Programação Técnica e Estudos Laborais (SSPTyEL) do Ministério do Trabalho, Emprego e Seguridade Social (MTEySS).

Sumário: Introdução | Os conflitos laborais no setor privado argentino | Considerações metodológicas | Caracterização | (1) Primeira etapa (2006-2009) | (2) Segunda etapa (2010-2014) | A conjuntura econômica e os fatores político-organizacionais como determinantes do conflito laboral | Incidência da conjuntura econômica | Fatores político-organizacionais | Reflexões finais | Referências bibliográficas

Introdução

A dinâmica das relações laborais na Argentina assume formas particulares a partir do ano 2003, quando a conjunção de vários fatores gerou condições propícias para que as organizações sindicais se reposicionassem com relação à década anterior. Nesse sentido, devemos destacar a presença de uma “nova institucionalidade” em matéria laboral, evidenciada, entre outras coisas, na capacidade estatal de mediar conflitos laborais e o incremento da negociação coletiva (LENGYEL; NOVICK, 2007).

Essas mudanças no plano institucional aconteceram no marco de uma reconfiguração econômica caracterizada pelo abandono do modelo de conversibilidade em 2002, que funcionou como fator determinante na recuperação do nível de atividade e na criação de novos postos de trabalho (MAURIZIO et al.,2009). Há também outros trabalhos (SENÉN GONZÁLEZ; MEDWID, 2007) que destacam que a presidência de Néstor Kirchner, iniciada em 2003, implicou numa renovação no relacionamento do governo com os sindicatos, especialmente com aqueles que possuem uma tradição política vinculada ao peronismo. A influência de dirigentes sindicais fundamentalmente pertencentes à Confederação Geral do Trabalho (CGT) foi muito importante durante os primeiros anos do kirchnerismo.

Como efeito, essas mudanças político-institucionais e econômicas geraram condições favoráveis à luta da classe trabalhadora, que levaram a uma mudança na dinâmica da ação coletiva representada por trabalhadores sindicalizados, que, após o estouro no país no final de 2001, começou a crescer significativamente com relação à década anterior. Assim, os conflitos laborais se tornaram a maneira mais relevante de protestar a partir de 2003. Dentre eles, destacam-se aquelas ações nas quais as reclamações salariais foram o principal motivo de mobilizações dos trabalhadores. (SENÉN GONZÁLEZ; DEL BONO 2013; PALOMINO, 2007a).

Isto não supõe a ausência dos sindicatos na década anterior, quando a organização sindical continuou sendo relevante na dinâmica de ação coletiva (IÑIGO CARRERA, 2007). Porém, o comportamento das greves na pós-conversibilidade apresenta novidades na maneira como se expressam e também nas reclamações que as motivam. Isso contribuiu para que fossem abordados os debates sobre revitalização sindical.

A expressão revitalização sindical é uma tradução de union renewal e a sua origem está em estudos anglo-saxões do início dos anos 2000, quando pela primeira vez foram analisadas as estratégias de renovação sindical dentro de um contexto adverso, marcado pelo neoliberalismo e a globalização (FREGE; KELLY, 2003; BEHERENS et al., 2004). Esses debates também chegaram à Argentina, porém o movimento sindical ressurge após as reformas neoliberais da década de 1990, fazendo com que as pesquisas passem a ter outras nuances: questionar as características que assume o fortalecimento das organizações sindicais em um contexto caracterizado pela reativação do conflito laboral e o incremento das negociações coletivas (SENÉN GONZÁLEZ; DEL BONO, 2013; SENÉN GONZÁLEZ; HAIDAR, 2009).

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Lucila D’Urso é doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Bolsista do Doutorado Conicet (IIGG-UBA).

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