‘As conquistas de um sindicato são um bem para toda a sociedade’

Stephen Lerner é um estrategista do campo sindical norte-americano. Além de ter participado da fundação de diferentes entidades, Lerner ganhou notoriedade por atuar no Occupy Wall Street, movimento que, em 2011, reivindicou igualdade econômica, e também pela campanha Justice for Janitors, algo como “justiça para os trabalhadores da limpeza”, de meados da década de 1980 e alcançou maior dignidade para os trabalhadores do setor nos Estados Unidos e no Canadá.

O caso foi detalhado pelo filme Pão e Rosas (2000), do aclamado diretor Ken Loach.

Em visita ao Brasil, Lerner participou de um debate no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região nesta terça-feira (03/04). Ao lado dele, a presidenta da entidade, Ivone Silva, o sindicalista italiano da UNI Finanças, Antônio Di Cristo, e a presidenta dessa entidade internacional, a brasileira Rita Berlofa. No centro dos debates, paralelos entre as conjunturas políticas de Brasil e Estados Unidos, além da luta sindical em um momento de avanço do capital internacional contra regulações no mundo do trabalho.

“A sensação é de que estamos em um fio de navalha. Ou vamos melhorar muito ou piorar muito, mas não ficaremos neste meio termo. Isso significa que o que nós fizermos vai ter uma grande diferença, mais do que em qualquer momento anterior de nossas vidas”, disse Lerner, ao afirmar que os trabalhadores do setor bancário devem assumir um importante papel no cenário econômico mundial.

Para o sindicalista norte-americano, se o Estado não regulamenta o setor financeiro, os trabalhadores e sindicatos devem assumir o papel de pressionar os bancos para que eles não cometam “práticas perigosas”. “Precisamos construir uma nova regulamentação para domar essa instituições”. Para exemplificar o que considera práticas danosas oriundas da desregulação do capital financeiro, Lerner cita o caso de Porto Rico, estado anexo aos Estados Unidos que está à beira da falência.

“O Santander e outros bancos tiveram lucros extraordinários a partir de empréstimos predatórios em Porto Rico. Algo muito parecido com o que viveu a Grécia. Agora, Porto Rico foi à bancarrota com o adendo de um furacão. O que era uma crise financeira, se tornou uma crise humanitária”, disse sobre a condição local. “Seis meses depois do furacão, centenas de milhares de pessoas ainda estão sem água e sem eletricidade. As casas das pessoas estão sem telhados”, completou.

Em resposta à crise, o governo local, em parceria com o governo de Donald Trump e do setor financeiro, aplicam um capitalismo do desastre. “Em vez de consertar a economia, as casas, os telhados, estão aplicando um severo ajuste fiscal. As escolas estão sendo privatizadas, a eletricidade está sendo privatizada. Estão vendendo até os prédios do governo com grandes descontos. A solução deles é transformar Porto Rico em um paraíso fiscal para os ricos. É a primeira vez que vemos esse estilo de austeridade, comandado pelo Banco Mundial, implantado nos Estados Unidos”, disse Lerner.

A nova importância dos sindicatos

Lerner explicou que os trabalhadores do setor financeiro nos Estados Unidos recebem baixo salários, “um pouco mais do que garçons”, e possuem baixo prestígio na sociedade local. Isso pode ser explicado porque o setor não possui organização. “Um terço dos bancários do mundo estão nos Estados Unidos e 99,9% deles não são sindicalizados. As pessoas merecem uma remuneração decente e os trabalhadores não podem ser obrigados a vender produtos predatórios que trapaceiem clientes”, disse.

Para o sindicalista, parece óbvio que, para desafiar o poder, é preciso ter o suporte de uma organização. Apenas a partir disso, o trabalhador poderá “perder o medo”. A prevalência desse “medo”, no entanto, pode influenciar na escalada do ódio em nível global.

“É impressionante, mas vemos em todo o mundo um tipo de nacionalismo etno racista. Em um momento semelhante, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, surgiram essas mesmas soluções”, observou. “Com o colapso do neoliberalismo (evidenciado pela crise de 2008), vemos o surgimento desses movimentos da nova direita que oferecem essas ‘respostas fáceis’. Em vez de dizer que as grandes empresas estão pilhando a economia, eles apontam para o medo, atacam estrangeiros. É estonteante, mas existem, nos Estados Unidos, passeatas de pessoas que se dizem abertamente nazistas.”

Para enfrentar o problema, Lerner propõe uma autocrítica do modelo sindical no mundo. “Precisamos pensar que o movimento sindical não foi forte o suficiente para se impor ao declínio do neoliberalismo. O exemplo disso é que estamos na defensiva, e para nós a defensiva só nos garante uma morte mais lenta.”

Então, a solução é engajamento, e os trabalhadores precisam ser convencidos disso. “Para criticar um banco, não precisamos apenas falar de como os trabalhadores ganham mal. Mas, em aliança com os movimentos sociais, temos que mostrar como os bancos prejudicam a todos. Tem bancos que financiam a indústria bélica e precisamos dizer isso, dizer que bancos investem em empresas que matam nossos filhos nas escolas. Nos Estados Unidos, tem bancos que cobram juros hipotecários maiores de negros do que de brancos. Então, temos que falar de gente sendo extorquida, tudo isso junto.”

“É para a população que devemos mostrar. Eles devem perceber o real inimigo e não aceitar esse discurso fácil contra imigrantes. E o sindicato é o caminho para obter justiça em diversos aspectos da vida. Quando estreitamos a visão do sindicato, não atingimos a alma das pessoas. O sindicato não é só para ganhar mais, é para o imigrante poder ser documentado, não tomar mais porrada da polícia, para todos terem casas decentes. O benefício vai para além dos trabalhadores do sindicato, atingem toda a sociedade. A partir daí, as pessoas começam a superar seus medos”, completou.

Fonte: RBA
Texto: Gabriel Valery
Data original da publicação: 04/04/2018

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