Alto desemprego entre jovens produziu “geração desperdiçada”

O dilema não é novo. Para entrar no mercado de trabalho o jovem precisa de experiência. Mas como ter experiência sem uma primeira chance? Em momentos de crise como o atual, a questão se acirra. E para além da frustração que atinge em cheio todo o contingente de jovens sem emprego, desperdiçar essa força de trabalho traz efeitos negativos para o desenvolvimento e gera um desalento social que tem efeitos também sobre a vida política do país.

A taxa de desemprego atinge 13% da população ativa, mas para os jovens de 18 a 24 anos ela chega a 27,3% segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Os dados comprovam que está se fechando um cerco na empregabilidade do jovem”, afirma Ricardo Henriques, economista do Instituto Unibanco.

Quando as empresas recuam na contratação, ou decidem demitir, optam pelos jovens. “Quando eles entram no mercado de trabalho, têm pouca ou nenhuma experiência profissional, e necessariamente precisam ser treinados pelas empresas, o que gera custo”, resume o professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho Ruy Braga.

É no custo também que mora a predileção pela mão de obra jovem na hora dos cortes. Em países com regime de proteção do trabalho, que contabiliza o valor das verbas rescisórias pelo tempo de serviço prestado à empresa, demitir um jovem é mais barato do que dispensar um veterano. “Isso não só no Brasil, em qualquer país mais ou menos desenvolvido se percebe. Cortar jovens diminui o ônus patronal, reduz os custos rescisórios”, explica Braga.

O Brasil não está sozinho, trata-se de uma característica do desemprego e do subemprego mundial. Na comparação entre os países, tanto nos europeus, como Espanha e Itália, ou nos em desenvolvimento, como Argentina e México, percebe-se que a taxa de desemprego entre os jovens é mais elevada. Na África do Sul, por exemplo, é o dobro. O mesmo acontece na Espanha, onde a taxa de desemprego entre os jovens gravita em 50% enquanto a taxa média é 22%. “Ou seja, encontramos aí uma série de elementos comparativamente falando que reforçam a ideia de que o desemprego é muito mais frequente entre os jovens”, afirma Braga.

Geração desperdiçada

A melhora da qualificação tampouco foi capaz de melhorar os índices de inserção dos jovens no mercado de trabalho. O Brasil tem hoje uma geração bem mais educada pelo ensino formal do que as anteriores, mas a dificuldade de iniciar sua carreira na área pretendida é maior.

Ruy Braga explica que houve nos últimos 30 anos, mesmo nos países periféricos do capitalismo como o Brasil, um aumento geral do investimento da sociedade em educação. No caso brasileiro ocorreu um salto em termos de aumento de vagas no Ensino Médio, mirando a universalização, ao ponto de transformar este no patamar mínimo de entrada no mercado de trabalho.

Houve também um aumento do investimento na formação universitária, que pulou no começo da década de 2000 de 7% da população jovem matriculada na universidade para 18% em 2010. “Isso significa que de fato essa juventude é mais qualificada, do ponto de vista da escolaridade formal, do que a geração anterior.”

No entanto, a qualificação não define, por si só, a elasticidade da oferta do emprego. O que define é o investimento das empresas e do estado, ressalta o sociólogo. Uma falta de investimento acentuada pela crise econômica aqui e no mundo. “Todos esses fatores fazem com que essa massa de jovens mais qualificados seja desperdiçada, uma geração ameaçada. Ao mesmo tempo que ela é mais qualificada, encontra condições muito mais duras de acesso ao mercado de trabalho”, afirma Braga.

Embora haja uma melhora na chegada do jovem à graduação, a dificuldade de acesso à educação persiste. Como explica o economista Ricardo Henriques, o direito à educação é a principal porta que abre o caminho para outros direitos. “A cada momento que a escola abre mão de se dedicar à aprendizagem dos seus estudantes ela está aumentando o custo da sociedade, e aumentando a desigualdade”.

De acordo com o relatório Cenário da exclusão escolar no Brasil, que acaba de ser divulgado pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância e Adolescência (Unicef), existem hoje no país 2,8 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. Desse total, 57% são jovens entre 15 e 17 anos.

“Os dados revelam que a maioria dos estudantes abandona a escola antes mesmo de completar o Ensino Fundamental, formando um subgrupo mais vulnerável, com alta probabilidade de inserção precária no mercado de trabalho e entrando em um círculo vicioso de subemprego e desemprego”, completa o economista. Não por acaso, segundo o IBGE, o desemprego entre adolescentes de 14 a 17 anos é de 43%.

Além do desemprego, precarização

Há ainda uma mudança na estrutura sócio-ocupacional de países como o Brasil. Enquanto entre as décadas de 60 e 80 o emprego estava concentrado nas ocupações que pagavam entre 3 e 5 salários mínimos, normalmente na indústria, houve uma migração desses postos de trabalho.

As vagas que pedem treinamento técnico foram minguando em benefício de ocupações no setor de serviços. Isso significa que na década de 2000 a 2010 o motor do emprego se concentrou em postos que pagam de 1 e 1,5 salário mínimo.

“Isso denota a universalização de um tipo de emprego que paga muito mal e que eu considero subemprego, porque não exige qualificação especial e tem taxa de rotatividade alta”, explica Ruy Braga. Uma das pesquisas do sociólogo foi no setor de callcenters, tradicional porta de entrada do jovem urbano no mundo do trabalho.

Num cenário em que a maioria dos universitários depende de sua própria renda para se manter na universidade, mas não consegue postos que fujam do subemprego mesmo depois da formatura, há uma frustração óbvia. “Eles usavam o callcenter como uma possibilidade de pagar a faculdade, mas quando terminavam, voltavam para o callcenter o que, evidentemente, gera uma grande frustração”, define Braga.

O efeito social é uma crescente inquietação popular ligada às condições de trabalho, a esse descompasso entre qualificação e emprego, ao nível de remuneração e principalmente uma inquietação alimentada pelo aumento do endividamento, completa Braga.

De um lado, há uma oferta de emprego restrita e que paga muito pouco. Do outro, a baixa remuneração, articulada a uma mercantilização generalizada dos serviços sociais – da educação, da saúde, das terras urbanas – gera endividamento. “E o endividamento produz uma sensação generalizada de desalento, que se torna mais dramática quando o indivíduo perde o emprego. Há uma espiral descendente que acaba aumentando o que podemos chamar genericamente de ressentimento social”.

É essa raiva, mais ou menos latente, que pode eventualmente explodir ou assumir formas radicais, especialmente em processos eleitorais. “No caso brasileiro, o voto de protesto ou um aumento das intenções de voto para um Bolsonaro ou algo do estilo. Esse ressentimento social é um sentimento verdadeiramente muito perigoso”, pontua Braga.

Limbo irreversível

Quando se tira do jovem a chance de se desenvolver como indivíduo autônomo, toda a sociedade sofre as consequências. O Brasil está perdendo o bônus demográfico – 51,3 milhões de jovens de 15 a 29 anos em 2008 – sem conseguir investir fortemente na educação desse contingente para que, em 20 anos, pudesse haver uma população economicamente ativa altamente qualificada que sustentasse o projeto de desenvolvimento do Brasil.

“A projeção para a juventude em 2030/2040 pode ser de uma posição de limbo irreversível, à margem das demandas da sociedade do conhecimento e com pouca ou nenhuma capacidade de adaptação às condições objetivas do mundo do trabalho desta época”, explica Ricardo Henriques.

Para o economista, o Brasil não irá se desenvolver plenamente sem combater as históricas desigualdades sociais, econômicas e culturais, opinião compartilhada por Ruy Braga. “Quando uma geração é desperdiçada se perde a dinâmica do mercado de trabalho, que se torna concentrado no subemprego. É um desperdício de experiência social muito dramático para o país. E evidentemente isso tem um efeito que é o comprometimento do futuro desenvolvimento nacional.”

E se o Brasil, apesar de algum avanço, ainda está muito aquém nos índices de qualificação, a generalização do desemprego ou do subemprego entre os jovens tende a impedir que eles estudem, em especial na graduação, majoritariamente paga.

A experiência histórica brasileira mostra que as classes populares, as classes trabalhadoras, buscam qualificação. “E essa busca, que é a única maneira de ascensão de fato do ponto de vista da renda, se apoia no próprio esforço do trabalhador. É um comportamento social generalizado na base da pirâmide salarial”, explica Braga.

Se as condições do mercado de trabalho pioram, essa busca de qualificação tende a se tornar ainda mais problemática, gerando não apenas frustração como também uma perda generalizada de qualificação.

O que se tem, segundo o sociólogo, é uma outra fonte de tensão social: as pessoas querem se qualificar, mas não conseguem acesso aos meios capazes de fazer com que eles deem esse salto. “Isso tende não apenas a bloquear o desenvolvimento nacional, mas também aumentar a frustração com o mercado de trabalho“, conclui Braga.

Fonte: Carta Capital
Texto: Dimalice Nunes
Data original da publicação: 29/08/2017

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