Agonia do sindicalismo nos EUA acentua a desigualdade

Os sindicatos americanos vivem uma situação delicada. No setor privado, a fatia dos trabalhadores sindicalizados foi de apenas 6,7% em 2013, um nível fraquíssimo, quase idêntico ao recorde de baixa de 6,6% do ano anterior, e bastante inferior aos pouco mais de 24% do começo dos anos 1970. Para muitos analistas, o declínio sindical, que se acentuou nos anos 1980, é fundamental para explicar o aumento da desigualdade nos Estados Unidos, num cenário de estagnação do rendimento dos trabalhadores.

O número de americanos sindicalizados está hoje em 14,5 milhões, o equivalente a 11,2% do total, dos quais um pouco mais da metade no setor privado. Em 1973, os empregados das empresas privadas respondiam por mais de 82% dos filiados.

A tendência de recuo da taxa de sindicalização vem de longe, e a atual situação econômica não ajuda muito. A recuperação do mercado de trabalho que se seguiu à crise de 2007 e 2008 está longe de ser exuberante, e uma parte significativa da criação de empregos se dá em setores com fraca presença sindical, como restaurantes, varejo e serviços ligados a entretenimento e hotelaria.

Quando surgem empregos no segmento industrial, como no automobilístico, uma parcela considerável é em Estados do sul.

Nessa região, a presença dos sindicatos tende a ser bem menor do que no Nordeste ou Meio-Oeste, diz Dean Baker, codiretor do Centro para a Pesquisa Econômica e de Políticas (CEPR, na sigla em inglês). “São lugares onde é mais difícil os trabalhadores se organizarem”, diz. Para completar, Estados que não estão localizados no sul do país adotaram nos últimos anos políticas hostis aos sindicatos, como Wisconsin, Indiana e Michigan.

Em fevereiro, os sindicalistas americanos sofreram uma dura derrota em Chattanooga, no Tennessee. Por 712 a 626, os trabalhadores de uma fábrica da Volkswagen decidiram não se sindicalizar, frustrando os esforços feitos por dois anos pela United Auto Workers (UAW). Políticos republicanos do Estado, como o senador Bob Corker, fizeram campanha aberta contra a sindicalização. Um pouco antes da votação, Corker disse ter informações de que, se os trabalhadores votassem contra a medida, a Volkswagen anunciaria a produção de um novo veículo na fábrica de Chattanooga.

A UAW quer um novo pleito, e o pedido será analisado pelo Conselho de Relações Nacionais do Trabalho (NRLB, na sigla em inglês). A adesão dos operários da Volkswagen em Chattanooga seria importante para a UAW, porque é nessa região que a indústria automobilística deverá crescer no país. Hoje, a UAW tem cerca de 390 mil membros, bem abaixo do pico, atingido em 1979, de mais de 1,5 milhão.

Políticas antissindicais adotadas por alguns governadores republicanos também têm contribuído para o declínio da taxa de sindicalização, diz Baker. É o caso das restrições a negociações coletivas, aprovadas em 2011 em Wisconsin, governado por Scott Walker, tido como um possível candidato republicano a presidente em 2016.

A medida afetou muitas das organizações no setor público, contribuindo para o número de funcionários públicos cair de pouco mais de 187 mil, em 2011, para 138,1 mil em 2013. Para o professor Jake Rosenfeld, da Universidade de Washington, em Seattle, o fato de Walker adotar esse tipo de medida mostra a fraqueza do movimento sindical nos EUA.

Se outros Estados forem por esse caminho, a taxa de sindicalização do setor público pode cair com mais força, diz o economista Barry Hirsch, professor da Georgia State University. Ele lembra que, entre os empregados governamentais, a fatia dos filiados a organizações de trabalhadores é bem mais alta – em 2013, estava em 35,3%, número que era de 37,4% em 2009.

No começo dos anos 1970, os funcionários públicos eram algo como 17% a 18% do total dos sindicalizados nos EUA. O percentual aumentou com o forte declínio no setor privado. Hoje, eles são quase metade.

Em 2012, Indiana e Michigan, os dois no Meio-Oeste, aprovaram “leis de direito ao trabalho”, elevando para 24 o número de Estados que adotam esse tipo de legislação, comum no sul e no oeste do país. Por essa lei, na discussão de acordos com as empresas, os sindicatos não podem exigir que todos os trabalhadores que conseguirem benefício numa negociação coletiva paguem para ser representados pela entidade sindical. Isso desestimula os empregados a se filiar às organizações trabalhistas, dizem os sindicatos. Em Indiana, o número de sindicalizados caiu de 300,7 mil, em 2011, para 248,6 mil em 2013.

Esses motivos ajudam a entender o declínio recente da taxa de sindicalização. A crise econômica que começou em 2007 e se agravou em 2008 também foi pouco favorável para o sindicalismo, uma vez que houve uma perda expressiva de empregos na indústria manufatureira e na construção, segmentos com uma taxa de filiação superior à média do setor privado. E, como diz Baker, um cenário de baixo crescimento não ajuda a organização dos trabalhadores.

O economista-chefe da principal central sindical americana, a AFL-CIO, William Spriggs, observa que a queda na taxa de sindicalização não se restringe aos EUA. Segundo ele, trata-se de um tendência internacional, num cenário de transformação do trabalho.

Hirsch lembra de fatores estruturais que levaram à queda do número de trabalhadores sindicalizados a partir dos anos 1970, ganhando força nos anos 1980. De acordo com ele, a indústria manufatureira passou por uma transformação tecnológica importante, com muitas inovações que pouparam mão de obra.

Além disso, o setor também começou a se expandir mais em áreas com menor tradição sindical, como o sul. Em 1979, 7,5 milhões de trabalhadores no segmento eram filiados a um sindicato, o equivalente a 35,4% do total. Em 2012, o número caíra para 1,3 milhão, ou 9,6% dos empregados do setor. No ano passado, houve uma pequena alta, para 1,4 milhão, ou 10,1% do total.

Hirsch diz que também houve um processo intenso de desregulamentação da economia em segmentos como o de telecomunicações, o aéreo e o de transporte de cargas, o que aumentou a competição e levou a reduções de preços. Essas medidas contribuíram para enfraquecer os sindicatos.

Baker destaca também o aumento da competição externa nas últimas décadas. Houve um forte crescimento das importações, e muitas empresas americanas passaram a produzir fora do país, especialmente na China, levando a uma redução do emprego na manufatura nos EUA.

Em 2013, o número absoluto de trabalhadores sindicalizados subiu um pouco, de 14,35 milhões para 14,51 milhões, mas a proporção em relação ao total de empregados seguiu em 11,2%. Spriggs acredita que pode haver alguma melhora com a recuperação da economia, num quadro mais favorável para o setor manufatureiro. Nesse segmento, já houve uma elevação do total de filiados no ano passado. Isso também ocorreu no de construção, que vive um bom momento depois dos tombos registrados no auge da crise.

O enfraquecimento dos sindicatos ajuda a explicar o aumento da disparidade de renda nos EUA nas últimas décadas, segundo economistas como Rosenfeld e Baker. “Você não consegue entender a trajetória da desigualdade nos EUA sem levar em conta o declínio das organizações de trabalhadores”, diz Rosenfeld. A economia americana teve ganhos de eficiência expressivos, não acompanhados pelo rendimento dos trabalhadores. Entre 1973 e 2011, a produtividade no trabalho aumentou 80,4%, enquanto o salário real mediano subiu 10,7%, segundo números do Instituto de Política Econômica (EPI, na sigla em inglês).

Outro aspecto a ser levado em conta é que os sindicatos sempre foram grandes doadores para as campanhas do Partido Democrata. Mais fracos, podem ter menos influência sobre a agenda política, tornando mais difícil contrabalançar a preponderância dos interesses dos mais ricos, avalia Baker.

Fonte: Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, com Valor Econômico
Texto: Sergio Lamucci
Data original da publicação: 30/04/2014

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