A revolução não precisa ser automatizada

Durante séculos após a Revolução Industrial, a automação não impediu o crescimento dos salários e do emprego, pois foi acompanhada por novas tecnologias voltadas para a manutenção do papel do trabalho humano na criação de valor. Porém na era da Inteligência Artificial (IA), caberá aos formuladores de políticas garantir que o padrão continue.

Daron Acemoglu e Pascual Restrepo

Fonte: Project Syndicate
Tradução: DMT
Data original da publicação: 29/03/2019

A inteligência artificial (IA) está transformando todos os aspectos de nossas vidas, inclusive a economia. Como uma tecnologia de propósito geral, os aplicativos de Inteligência Artificial são potencialmente infinitos. Enquanto pode ser usado para automatizar tarefas executadas anteriormente por pessoas, pode também tornar o trabalho humano mais produtivo, aumentando, assim, a demanda de mão-de-obra.

Infelizmente, a tendência atual no desenvolvimento de IA comercial é em direção a mais e mais automação, com consequências potencialmente desastrosas para a sociedade. Certamente, a automação tem sido uma máquina de crescimento de produtividade desde o início da Revolução Industrial, quando, a partir do final do século XVIII, a tecelagem e a fiação foram mecanizadas. Mas a maré de automação não levanta automaticamente todos os barcos. Ao substituir a mão-de-obra por máquinas nas tarefas de produção, a automação reduz a participação do trabalho no valor agregado (e na renda nacional), contribui para a desigualdade e pode reduzir o emprego e os salários.

E, no entanto, a maioria das economias modernas experimentou um crescimento robusto dos salários e do emprego desde a Revolução Industrial. Assim como a automação desalojou os trabalhadores na execução de certas tarefas, outras tecnologias surgiram para restaurar o papel central do trabalho no processo de produção, criando novas tarefas nas quais os humanos têm uma vantagem comparativa. Essas tecnologias não só contribuíram para o crescimento da produtividade, mas também aumentaram o emprego e os salários, gerando uma distribuição mais equitativa dos recursos no processo.

Considere a mecanização agrícola, iniciada no século XIX. A princípio, a substituição do trabalho bruto por máquinas reduziu a participação da mão-de-obra no valor agregado, deslocando uma enorme parcela da força de trabalho norte-americana que antes trabalhava na agricultura. Mas, ao mesmo tempo, novas indústrias florescentes precisavam de trabalhadores para realizar novas tarefas e buscar ocupações que emergiam. Posições administrativas expandiram-se tanto em serviços quanto em manufatura, onde uma divisão mais fina do trabalho impulsionou a produtividade, o emprego e o crescimento dos salários.

Um padrão similar de mudança tecnológica abasteceu o emprego e o crescimento salarial para trabalhadores de alta e baixa qualificações nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. No entanto, nas últimas três décadas, as mudanças associadas necessárias para compensar os efeitos do deslocamento de mão-de-obra da automação foram notavelmente ausentes. Como resultado, o crescimento dos salários e do emprego permaneceu estagnado e o crescimento da produtividade anêmico.

De forma nefasta, a IA parece destinada a exacerbar esse padrão, levando a uma desigualdade ainda maior e a muitas décadas de crescimento lento dos salários e declínio da participação no mercado de trabalho. Mas não há nada sobre a IA que exija esse resultado. Pelo contrário, os aplicativos de Inteligência Artificial podem ser utilizados para reestruturar tarefas e criar novas atividades nas quais a mão-de-obra pode ser reintegrada, gerando benefícios econômicos e sociais de longo alcance.

Na educação, por exemplo, a coleta e o processamento de dados em tempo real por sistemas de IA podem capacitar professores a oferecer instruções individualizadas, calibradas de acordo com as necessidades de cada aluno, que provavelmente variam de assunto para assunto. O mesmo se aplica aos cuidados de saúde, onde a IA pode capacitar técnicos e enfermeiros qualificados para oferecer tratamentos personalizados. Além disso, os benefícios potenciais da IA para o trabalho não se limitam aos serviços. Graças aos avanços na realidade aumentada e virtual, a IA também pode ser usada para criar novas tarefas para os seres humanos na fabricação de alta precisão, que atualmente é dominada por robôs industriais.

É tentador pensar que o mercado poderia traduzir essas promessas em realidade. As novas tecnologias geram benefícios não apenas para os inventores e os primeiros adeptos, mas também para outros produtores, trabalhadores e consumidores. E algumas tecnologias têm a capacidade de estimular a criação de empregos e reduzir a desigualdade, com enormes benefícios sociais que os inventores e os primeiros adotantes nem consideraram.

O problema é que os mercados de tecnologia não funcionam tão bem quando há paradigmas concorrentes em jogo. Quanto mais o paradigma de automação avança, mais incentivos de mercado favorecerão o investimento nessa área, em detrimento de outros paradigmas que poderiam criar novas tarefas de trabalho intensivo.

Se isso não é motivo suficiente para não confiar no mercado, existem problemas adicionais específicos para as tecnologias de IA. Para dar um exemplo, o campo é dominado por um punhado de grandes empresas de tecnologia com modelos de negócios intimamente ligados à automação. Essas empresas respondem pela maior parte dos investimentos em pesquisa de IA e criaram um ambiente de negócios no qual a remoção de falíveis seres humanos dos processos de produção é considerada um imperativo tecnológico e de negócios. Como se isso não bastasse, os governos estão subsidiando corporações por meio de amortizações aceleradas, incentivos fiscais e deduções de juros – tudo isso enquanto o trabalho é taxado.

Não admira que a adoção de novas tecnologias de automação tenha se tornado lucrativa mesmo quando as tecnologias em si não são particularmente produtivas. Tais falhas no mercado de inovação e tecnologia parecem estar promovendo precisamente o tipo errado de IA. Um foco único na automação de mais e mais tarefas está se traduzindo em baixa produtividade, diminuição dos salários e em uma queda na participação do valor agregado do trabalho.

Esse não deveria ser o caso. Ao reconhecer uma falha de mercado óbvia e redirecionar o desenvolvimento da IA para a criação de novas tarefas de melhoria de produtividade para as pessoas, podemos alcançar a prosperidade compartilhada novamente. Não ousamos arriscar as alternativas.

Daron Acemoglu é professor de economia no MIT e co-autor de Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty e o The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty (a ser publicado pela Penguin Press em setembro de 2019). 

Pascual Restrepo é professor de economia na Universidade de Boston.

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