A quem interessa a reforma da previdência?

Juliana Teixeira Esteves

Fonte: Justificando
Data original da publicação: 19/11/2018

A previdência brasileira é a menina dos olhos dos atuais investidores. Apresentada como grande responsável pelo passivo orçamentário numa estratégia dissimulada de entregar seus ativos financeiros para instituições privadas, ela representa a única fonte de renda de muitos brasileiros que já não dispõem de meios físicos, sociais ou psicológicos para venderem sua força de trabalho e obterem retorno financeiro deste ato.

Integrante de um sistema global de um tipo de seguro – a seguridade social – a previdência surgiu a partir da luta promovida para atender a um modelo fordista de organização administrativa: empregados e empregadores contribuem, o Estado administra e distribui àqueles que necessitam. Foi esse modelo, fundado na intervenção estatal, na existência de direitos trabalhistas e previdenciários e na garantia do mínimo existencial, que permitiu a interrupção de manifestações sociais revolucionárias que se formavam à época.

Desde o seu surgimento, debate-se acerca da fonte de financiamento do sistema previdenciário. Em 1988, o Brasil escolheu o modelo de repartição simples, em que todos são responsáveis por todos, incluindo trabalhadores, empresários, governo federal e até mesmo receitas específicas, como as importações. O financiamento, neste caso, é para toda a seguridade social, que engloba o modelo assistencial e o SUS mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras contribuições sociais oriundas do trabalhador, do empregador, dos concursos de prognósticos (jogos de loteria) e sobre a importação de bens ou serviços.

A fonte de financiamento é ampla e engloba vários seguimentos da economia de forma que todos participem socialmente da contribuição necessária ao cumprimento dos objetivos da nação brasileira estabelecidos no artigo terceiro da Constituição Federal: a construção de um sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Apesar de sua finalidade nobre, a previdência é vista com ressalvas pelos atuais e futuros governistas. O motivo: o suposto “rombo” nas contas do Estado. Esse argumento futurista de catástrofe na previdência social cai por terra quando observamos os números apresentados por Denise Gentil Lobato e pela CPI da previdência concluída em 2017 e cujos resultados estão disponíveis no sítio do Instituto de Economia da UFRJ. Ambos concluem pelo superávit da previdência, em que pese as enormes desonerações sobre as folhas de pagamento, importações, renúncias fiscais de amplo espectro de maneira a beneficiar somente o empresariado.

A postura neoliberal do atual governo – e do futuro ministro da economia, legítimo representante do mercado financeiro – fica evidente a partir da manobra política que ocorreu na votação do projeto de lei envolvendo liberações de verbas parlamentares fora da época prevista, em troca da votação da reforma da previdência nos moldes apresentados pelo governo. Os cálculos divulgados na imprensa, de outubro de 2017 a março de 2018, foram em torno de 30 bilhões de reais, no total. Assim, o <ilegítimo> governo de Michel Temer se desenha numa velha direita aliada a uma decadente socialdemocracia que estabelecem pactos obscuros para autorizar privatizações, esconder atos de corrupção e conceder mais renúncias fiscais ao capital estrangeiro.

O regime de capitalização instituído no Chile na década de 1980 foi alterado em 2008 pela presidenta Bacheler na tentativa de minimizar os efeitos que terminaram por se concretizar no ano de 2017. A privatização da previdência é um claro interesse do mercado financeiro. Por isso, mais do que nunca, volta à tona a discussão em torno de sua fonte de financiamento, tendendo a prevalecer a perspectiva ultraliberal no sentido contrário ao modelo solidário adotado pelo Estado brasileiro: “cada indivíduo deve ser responsável por sua própria aposentadoria”. Foi essa a opção do Chile de Pinochet, em 1981.

Hoje, todos os trabalhadores chilenos depositam ao menos 10% do salário por 20 anos, no mínimo, para se aposentar. A idade mínima para mulheres é 60 e para homens, 65. Não há contribuições dos empregadores ou do Estado. O modelo começou a produzir os primeiros aposentados e observou-se que 90,9% recebem menos de 149.435 pesos (cerca de R$ 694,08). O salário mínimo do Chile é de 264 mil pesos (cerca de R$ 1,226.20). A baixa remuneração dos aposentados levou às ruas centenas de milhares de manifestantes contrários ao sistema privado de previdência. A experiência chilena apresenta problemas que estão além a fiscalização, mas de questões básicas de cálculos atuariais impossíveis de serem aplicados de forma eficaz ao beneficio previdenciário, necessário e justo à boa aposentadoria após longos anos de trabalho.

Com efeito, a adesão ao sistema privado de capitalização leva a aposentadoria do trabalhador para o sistema financeiro e proporciona com isso o estabelecimento de um fator relevante para a progressiva destruição do movimento coletivo – a individualização dos interesses.

Juliana Teixeira Esteves é professora adjunta da Faculdade de Direito do Recife, UFPE.

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