A navalha suíça está sendo afiada para cortar salários de executivos

Em uma consulta popular, prevista para o dia 24 deste mês, a Suíça decidirá se introduz um teto para os salários mais elevados pagos pelas empresas, para que não sejam superiores a 12 vezes o salário mínimo (1:12). Há nervosismo entre os executivos: o êxito do referendo não parece tão improvável como se previa.

Não foram apenas os pequenos acionistas da corporação farmacêutica suíça Novartis que ficaram descontentes com os US$ 79 milhões concedidos, no dia 22 de fevereiro, ao presidente da empresa, que renunciou ao cargo, Daniel Vasella. A indignação pública foi enorme. Duas semanas depois, a sociedade suíça enviou uma mensagem clara aos executivos: já não toleraria seus avultados salários e bonificações.

A “iniciativa do gato gordo” que, quando se converter em lei, imporá limites à liberdade de executivos e conselheiros de administração de autofixarem seus salários, bônus e indenizações, tem apoio de 68% dos eleitores. O referendo fortaleceu a democracia entre os acionistas, que reunidos em assembleia geral terão direito a veto em matéria de salários e outros pagamentos aos executivos. Porém, no esquema de que cada ação vale um voto os acionistas minoritários costumam ficar em desvantagem diante dos grandes investidores.

“A iniciativa do gato gordo inclui alguns aspectos positivos. Mas não ajuda muito a limitar os grandes salários, nem a solucionar a desigual distribuição de renda”, disse David Roth, presidente do Partido de Jovens Socialistas Suíços (Juso). Por isso esta agremiação propôs outra consulta popular sobre o 1:12, para impor aos salários mais altos de uma empresa o teto de 12 vezes o menor salário pago na mesma companhia.

“Nenhum gerente deveria ganhar em um mês mais do que seus empregados ganham em um ano”, argumenta o Juso. O poderoso lobby neoliberal da Suíça se empenhou a fundo para impedir o êxito da iniciativa. Com o fracasso de sua cara campanha e o referendo ao 1:12, está cada vez mais nervoso. Para 2014 também se prevê outro referendo para decidir sobre a introdução neste país do salário mínimo nacional.

A Suíça se transformou em um dos países mais ricos do planeta. Tem um dos PIB (produto interno bruto) por pessoa mais altos do mundo e desemprego de apenas 3%. Quanto à desigualdade na renda, situa-se na média europeia. Segundo os números mais recentes, 3,5% dos empregados são trabalhadores pobres, enquanto as 11.586 pessoas melhor pagas recebem o equivalente a US$ 554 mil por ano cada uma.

Segundo Daniel Lampart, economista-chefe da Federação de Sindicatos da Suíça, a causa dos crescentes excessos salariais dos últimos anos foi que os salários em nível de gerência foram vinculados cada vez mais ao lucro e ao valor das ações de suas empresas. “A introdução de bonificação permitiu aos gerentes desviar grandes somas de dinheiro para seus bolsos”, apontou.

Os sindicatos não são muito poderosos neste país e há poucos acordos coletivos de trabalho. O salário mínimo não existe, a relação entre empregado e empregador está sujeita ao conceito de associação social e as greves são raras. Neste contexto, as políticas salariais cada vez mais individualizadas enriquecem sobretudo o segmento de empregados melhor remunerados.

As campanhas a favor e contra a iniciativa 1:12 alcançaram seu ponto mais quente. Em um lado estão o Juso, os sindicatos e o Partido Social Democrata. No outro, a coalizão SGV, de pequenas e médias empresas suíças, encabeça a oposição à proposta, apoiada por outras organizações vinculadas à economia e aos partidos liberais e de direita. Se a proposta for aprovada, as diretamente afetadas serão entre mil e 1.300 companhias, as maiores, com cerca de meio milhão de empregados. E aproximadamente 4.400 pessoas com grandes salários sofrerão reduções.

A campanha contra a iniciativa não conseguiu articular uma explicação convincente da necessidade de alguém receber salário 30, 50 ou cem vezes maior que o de um empregado pouco qualificado. Seus argumentos se centram em alertar que toda a sociedade será prejudicada. Hans-Ulrich Bigler, diretor da SGV, afirmou que as perdas para o sistema de seguros para a velhice e para a arrecadação de impostos podem equivaler a US$ 4,4 bilhões ao ano. Os aumentos nos tributos serão inevitáveis, acrescentou.

Um olhar mais crítico a esta estimativa mostra que esses números se desprendem do pior dos casos possíveis, que também é pouco realista. O Juso acredita que a iniciativa reduzirá as desigualdades de renda, e que um aumento dos salários menores minimizará possíveis perdas fiscais.

A verdade é que ninguém pode estimar as consequências econômicas e fiscais neste ponto, pois tudo dependerá de como reagirem as empresas afetadas pelo novo regime 1:12. Por acaso aumentarão os salários menores? Ou reduzirão os maiores e usarão o dinheiro para fazer investimentos? Ou abandonarão o país, como ameaçou fazer Ivan Glasenberg, presidente do gigante das matérias-primas GlencoreXstrata?

O governo teme principalmente pela competitividade do país. “Há um perigo real de que as companhias com sede na Suíça possam ir embora, e pode ocorrer que as limitações salariais possam dissuadir de se instalarem aqui empresas estrangeiras que buscam novas sedes”, afirmou o ministro da Economia, Johann Schneider-Ammann, em entrevista coletiva.

A proposta do 1:12 não é nova. Quando o Juso começou a coletar assinaturas para apoiá-la em 2009 ninguém esperava que tivesse possibilidade de êxito. “A aprovação do gato gordo na primavera representou um rompimento com o passado. Após anos de desregulamentação e liberalização, as pessoas voltaram a reclamar regras para a economia”, pontuou Roth. O dirigente está consciente de que só uma em cada dez iniciativas populares tem sucesso. Mas confia que no dia 24 deste mês Davi vencerá Golias.

Fonte: Envolverde, com IPS
Texto: Ray Smith
Data original da publicação: 04/11/2013

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