A ciranda social em torno da política de salário mínimo

Saulo Aristides

Fonte: Revista Ciências do Trabalho, São Paulo, n. 5, p. 169-187, dez. 2015.

Resumo: A negociação coletiva é o espaço constituído onde são tomadas decisões importantes à construção dos diretos dos trabalhadores e muitas vezes é o lugar de formulações de políticas públicas (em especial as políticas salariais) nas diferentes sociedades. As reuniões de negociação em muitas circunstâncias são o campo de atuação formal e informal dos atores institucionais (representantes do governo, empresários e sindicatos), em lógicas estabelecidas no sistema de relações de trabalho. O salário mínimo é fruto desta construção social e de políticas de discriminação positiva e também redistributivas na coesão dessa interlocução nesses processos decisórios. Propusermos explorar e comparar a temática da negociação do salário mínimo nas sociedades brasileira e portuguesa. No caso brasileiro o consenso conjuntural permitiu a política de valorização do salário mínimo (mesmo se tratando de uma sociedade onde o conflito entre as classes sociais é intenso). Em Portugal o processo de evolução do salário mínimo foi estancado, e sofreu as consequências das medidas de austeridade impostas pela troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Coube ao estudo compreender os diversos posicionamentos dos atores institucionais no âmbito da negociação tripartite, nas duas sociedades que apresentaram semelhanças que permitiram a comparação. No entanto, os diferentes momentos sociopolíticos e econômicos produziram resultados distintos do processo negocial.

Sumário: Introdução: a ciranda, o processo negocial e o salário mínimo nas sociedades | O enquadramento teórico em torno dos processos negociais e do salário mínimo | Configurações de um objeto de estudos: Brasil e Portugal | O salário mínimo em Portugal no contexto de crise e austeridade | O salário mínimo no Brasil no contexto de crescimento econômico | Reflexões finais | Referências bibliográficas

Introdução: a ciranda, o processo negocial e o salário mínimo nas sociedades

A vida em sociedade é regida pelo conflito de interesses, antagonismo e ordenamento existentes entre as diferentes classes nas relações sociais. Para a resolução dessas tensões, são criados espaços onde os diversos atores buscam o diálogo social para resgatar as noções de cidadania e almejam alcançar um ponto comum. Os principais atores do processo saem fortalecidos quando os acordos promovem o avanço social. O objeto destas formulações são os representantes civis de grupos vulneráveis, sendo os representantes do trabalho, atores que estão no centro do debate destas questões. Por essa via, a negociação e os meios de concertação fundem os caminhos para o desenvolvimento econômico e social como um movimento libertador. O movimento sindical é uma organização institucionalizada e pode (por sua força representativa) negociar e propor políticas públicas que elevem o salário, e principalmente, através do salário mínimo podem proteger e regular os direitos dos trabalhadores.

Do ponto de vista macro, o contrato social é o resultado do diálogo entre os diversos atores. Esse fundamento indica uma antiga lógica da formação do Estado na busca da ordem social, teorizadas por Thomas Hobbes, Jonh Locke e Jean Jacques Rousseau. Os atores renunciam a certos direitos e interesses e obtêm alguma vantagem nessa matriz. A ausência do ordenamento da ordem social estruturada (estado da natureza) provoca a apreciação da condição humana. Deste modo, cada um se beneficia racionalmente da ordem política e, simultaneamente, passam a existir “obrigações” políticas dos governos e dos atores como se estivessem em uma ciranda, num movimento circular.

O salário mínimo e os outros benefícios sociais demandam um esforço das sociedades em compreender a sua importância para o meio social e para a concertação social. Evidentemente a diferença entre eles reside na sua abrangência. Em outras palavras, o salário mínimo abarca os trabalhadores no mercado formal (sob proteção dos contratos de trabalho) e exerce influência no valor monetário recebido por aqueles que estão situados fora dessa proteção.

Entre os diversos instrumentos e benefícios sociais que tencionam combater a pobreza e a fome, em sociedades e economias mais ou menos desenvolvidas, o salário mínimo é aquele que regula a base salarial e é indexante de apoios sociais. Já os demais benefícios sociais procuram prover a subsistência das pessoas e suas famílias. Em países em desenvolvimento, cumpre a dupla função, de dar condições a vida através do enfrentamento do custo de vida e, também, regula a base salarial, além de ser um importante indexador para os indivíduos que estão fora do mercado de trabalho. Elegemos a temática do salário mínimo por ser um relevante objeto de discussão em instâncias negociais tripartites.

O propósito desta pesquisa foi estudar a negociação do salário mínimo tendo como pano de fundo as questões relacionadas ao campo do trabalho. A proposta buscou compreender as lógicas de negociações inseridas no contexto do conflito, diálogo e coesão social entre os atores institucionais que formularam as políticas de elevação do salário mínimo. Importou neste trabalho, refletir sobre o arranjo do salário mínimo em escala de sociedade nacional para compreender as diferenças entre o foco do objeto nas lógicas de conflitualidade presentes na determinação do valor monetário do salário mínimo em contextos socioeconômicos diferentes. Como estratégia metodológica escolhemos o Brasil e Portugal, por haver processos semelhantes de política de valorização do salário mínimo, porém com fatores externos distintos que possuem influência no objeto. O país sul-americano vive o contexto econômico favorável e encontra-se em expansão das políticas sociais. Já no país europeu, observamos o bloqueio do processo de elevação do salário mínimo, pelo contexto de crise política e econômica, acompanhado das políticas de austeridade e desarranjo social.

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Saulo Aristides é Doutorando em Sociologia – Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo da Faculdade de Economia e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

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