A alteração do conceito de trabalho análogo a de escravo: riscos de redimensionamento da dignidade humana, de retrocesso social e de proteção insuficiente do trabalhador

Saul Duarte Tibaldi
Gracyano Luiz Marquetti Vivan

Fonte: Revista Direitos, Trabalho e Política Social, Cuiabá, v. 2, n. 3, p. 137-184, jul./dez. 2016.

Resumo: A presente pesquisa trata da alteração do conceito do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal brasileiro, cuja aprovação no Congresso Nacional está iminente. Segundo a atual redação do dispositivo, o delito se configura quando o trabalhador é submetido a trabalhos forçados e à servidão por dívida, bem como, a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho. A mudança consiste em retirar do conceito essas duas últimas modalidades que, na visão de alguns parlamentares, são consideradas demasiadamente imprecisas e causadoras de insegurança jurídica. A notória relevância social dessa discussão motivou a realização da presente pesquisa, que teve por objetivo verificar se os projetos de lei que visam alterar o conceito de trabalho análogo a de escravo são constitucionalmente admissíveis à luz de princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico brasileiro, como o da dignidade da pessoa humana, o da vedação de retrocesso social e o da proibição de proteção deficiente. Para o alcance desse propósito, consultou-se a doutrina jurídica nacional e estrangeira, a jurisprudência dos tribunais superiores pátrios e a legislação brasileira e internacional sobre o assunto. As análises feitas permitiram concluir pela inconstitucionalidade das propostas legislativas de alteração do conceito de trabalho análogo a de escravo e possibilitaram a construção de argumentos em defesa da manutenção da atual redação do art. 149 do Código Penal brasileiro, que representa uma importante conquista da classe trabalhadora no Brasil.

Sumário: Trabalho análogo a de escravo e direitos humanos: a dignidade do homem violada nas relações de trabalho | Direitos humanos do trabalhador: o trabalho decente como o inverso do trabalho análogo a de escravo | A alteração do conceito de trabalho análogo ao de escravo sob a ótica dos princípios da vedação do retrocesso social e da proibição da proteção deficiente | A alteração do conceito legal de trabalho análogo a de escravo como uma violação ao princípio da proibição de retrocesso social | A alteração do conceito legal de trabalho análogo a de escravo como uma violação ao princípio da proibição de proteção deficiente | Referências bibliográficas

Trabalho análogo a de escravo e direitos humanos: a dignidade do homem violada nas relações de trabalho

De forma simples e objetiva, os direitos humanos podem ser definidos como “um conjunto de direitos necessários à preservação da dignidade da pessoa humana” (BRITO FILHO, 2013, p. 29). Nessa definição, a dignidade humana é colocada na posição de fundamento absoluto de todo e qualquer direito humano, constituindo a própria essência dessa categoria de direitos, justamente por ser a característica que distingue o ser humano dos demais seres vivos da terra, que lhe confere um valor ético superior e o torna titular e merecedor de um conjunto mínimo de direitos.

Ao longo da história da humanidade, diversas correntes filosóficas tentaram explicar o significado da dignidade humana. O cristianismo, por exemplo, defendia que esse atributo decorre do fato de ter sido o homem criado à imagem e semelhança de Deus, razão pela qual, para o pensamento cristão, a dignidade é igual para todos os seres humanos, sendo inaceitável a ideia de um indivíduo possuir um grau maior ou menor de dignidade em relação aos demais. (SILVA, 2010, p. 67).

Esse entendimento contrasta com a concepção política e filosófica de dignidade presente na antiguidade clássica, segundo a qual, tal atributo, em termos gerais, guardava relação com a posição social e o nível de reconhecimento do indivíduo pelos demais membros da sociedade, noção que admitia, portanto, a existência de pessoas mais dignas que outras. (SILVA, 2010, p. 67).

Por sua vez, para o pensamento estoico, a dignidade era vista como uma característica própria e intrínseca do ser humano, que o diferenciava das demais criaturas; do que resulta que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade. Essa concepção é estreitamente vinculada à noção de liberdade pessoal do indivíduo, entendida como a capacidade de governar seu próprio destino. (SARLET, 2007, p. 30).

As concepções cristã e estoica sobre a dignidade influenciaram o pensamento político e filosófico durante a idade média, destacando-se, nesse período, as lições de Tomás de Aquino, segundo o qual, a noção de dignidade tem seu fundamento no fato de o homem ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, como também na faculdade de autodeterminação peculiar à natureza humana. (SARLET, 2007, p. 31).

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Saul Duarte Tibaldi é Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso.

Gracyano Luiz Marquetti Vivan é Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso.

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